Tal qual Jason, personagem de Sexta-Feira 13, a proposta de uma Reforma Administrativa sempre volta para atormentar os servidores públicos e a população que necessita utilizar o Estado. Sempre nasce da cabeça de um partido composto, em sua maioria, por pessoas que tentam usar o Estado a seu favor. Usam reiteradamente o discurso da modernização da máquina pública e de que o Estado está inchado. Quase sempre ouço esse mantra vindo de membros da classe trabalhadora que defendem o neoliberalismo, inclusive afirmando que “são conservadores nos costumes e liberais na economia”. Coisa mais ridícula não há. Comparar costumes com economia é comparar alho não com bugalhos, mas com um elefante. Pois são esses que defendem a Reforma Administrativa, representada atualmente pela PEC 38. Eu prefiro resumir quem adora essa posição com a figura da barata, dizendo ser necessário cheirar inseticida ou tomar uma chinelada por cima das fuças (barata tem fuças?). Somente assim para alguém pedir o fim dos serviços públicos porque “estão inchados” e “tem gente ganhando muito”.
Começo este parágrafo dizendo que sou a favor de supersalários — mas para todos os servidores públicos, em todas as esferas: federais, estaduais e municipais. Seria um excelente mecanismo de redução das desigualdades, pois representaria um baita incremento na economia. Eu iria comprar minha casa de praia “pé na areia”, geraria empregos de caseiro, piscineiro, vigilância etc. Chique, hein? Ah, e com certeza eu e meus camaradas iríamos melhorar nossa oferta de serviços: os auditores fiscais iriam “meter bronca” nos sonegadores, a galera da saúde iria curar mais gente, e a turma da docência iria se aprimorar ainda mais, pois em todos os espaços os concursos teriam disputas reais. Fico imaginando que muitos jovens teriam uma baita opção de mobilidade social; com certeza, a quantidade dos que optariam pelo mundo do crime seria ainda mais reduzida. Eu sonho e, por enquanto, o sonho é meu. Convido você a sonhar junto: vamos combater o crime organizado, vamos melhorar o serviço público contratando mais e pagando melhor. Um sonho sonhado junto é realidade. Por enquanto, deixaremos os detentores do poder arrancar nossos sonhos? Eu não quero deixar de sonhar.
Dizem que o Brasil tem muitos servidores públicos — que baita mentira! Não passamos de 12 milhões de trabalhadores. As perguntas feitas são assim:
- O Brasil tem servidores demais?
- O que fazem as pessoas que trabalham no serviço público?
- A maioria dos servidores fica em Brasília?
- Todos ganham muitos salários?
O Brasil possui 5.568 municípios e, em todos eles — maiores ou menores —, existem servidores públicos. Segundo a PNAD Contínua de 2021, existiam 91,18 milhões de pessoas empregadas; entre elas, os servidores públicos, o que equivale a 12,2% do total de pessoas ocupadas. Para que você entenda, a Austrália tem 28,9%; o Reino Unido, 23,48%; e até os EUA possuem 13,41%. A média da OCDE situa-se em 23,48% de servidores públicos em relação ao total de empregados. Quero que você entenda: o Brasil não tem servidores demais. Sei que você, que defende o fim do serviço público, vai mudar rapidamente o argumento e afirmar que “ninguém faz PN no Brasil”, e esse número de 12,2% pode ser, segundo vocês, muito ou pouco — mas isso passa pela questão do que fazem.
A galera atua em diversas áreas e está mais presente em nosso dia a dia do que nossa vã filosofia pressupõe. Os bombeiros nos socorrem, os fiscais combatem os sonegadores. A Constituição Cidadã, ao longo do tempo, universalizou o acesso a serviços essenciais como saúde, educação, transporte e assistência social. Servidores precisam estar presentes nesse atendimento — e com qualidade. Somos 1,75 milhão de professores, 2,65 milhões de profissionais de saúde, lembrando que 74% da população brasileira não têm plano de saúde. Existem 530 mil policiais em todas as esferas — e, ainda assim, temos poucos policiais. Somente essas três áreas ocupam 40% do funcionalismo público brasileiro. Engana-se quem pensa que a maioria está em Brasília; na verdade, estão nos municípios, onde ocorre a maior parte desses serviços, e por isso tiveram de aumentar seus quadros. Atualmente, os servidores federais representam 9,7% do total; os municípios têm 61,71% e os estados, 28,59%.
Eu preciso que você entenda, seu pobre, pobre, pobre de marré-de-si, que seu ódio por Lula, pelo PT, neste caso, vai custar caro: vai faltar escola, vai faltar enfermeira, vai faltar policial para você, mulher, quando seu marido quiser te encher de porrada. Quando seu filho drogado quiser “esculachar geral”, é a polícia que chamamos. Precisamos, sim, dialogar com as forças de segurança, conscientizando que bater na cara de pobre e fazer a segurança de rico bandido não é papel de policial.
Metade dos servidores brasileiros ganha até 2,5 salários mínimos. Os grandes salários estão no Judiciário e no Legislativo. Entenda, pô! E entenda também que, na hora em que a onça beber água, eles não serão atingidos — nós seremos punidos por sermos honestos. Sim, pois o que querem os políticos é ter à disposição mais cargos para indicar. Afinal, adoraram a terceirização: indicam nas cooperativas seus eleitores e os cooptam, batizando, como as facções, novos eleitores. A cada eleição, precisam renovar o vínculo. Isso é uma forma de escravidão — vou repetir: é uma forma de escravizar as pessoas. O concurso emperra esse processo. E, do outro lado, querem fazer o que quiserem com setores de concursados. Vai ser lindo: uma facção financia vereadores, deputados, prefeitos e governadores e, em seguida, indica policiais para atuar no combate ao crime. Risível, não? E indicar um falso médico que vai nos operar? Ou um professor sem formação? Vamos acabar vestindo burca em sala de aula. Parem com essa PEC 38!
Rosevaldo Ferreira é economista, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), foi Diretor de Tributos da Prefeitura de Feira de Santana, Coordenador de Projetos do Sudic, Auditor Fiscal, Coordenador Regional da Agerba e Coordenador do Curso de Economia da UEFS.


No Comment! Be the first one.