Em 2023, a Alphabet, holding do Google, respondeu por mais de 90% das buscas realizadas na internet em dispositivos móveis em todo o mundo, segundo a StatCounter. No Brasil, o número é ainda maior. Esse domínio absoluto, quase invisível ao usuário médio, exemplifica bem o que os economistas chamam de monopólio — quando uma única empresa ou agente domina completamente a oferta de um bem ou serviço, com pouca ou nenhuma concorrência. Digito isto na desesperada tentativa de trazer um pouco de consciência aos que vivem em embates malucos nas redes sociais, xingando, destruindo amizades, laços familiares, etc.
Na teoria econômica clássica, o monopólio é um dos quatro principais modelos de estrutura de mercado (os outros são concorrência perfeita, oligopólio e concorrência monopolista). Trata-se da situação mais distante do ideal competitivo: o monopolista decide preços e quantidades produzidas com liberdade, o que frequentemente resulta em preços mais altos e menor qualidade ou diversidade na oferta. Não é o esquadrão, mas não tem para ninguém. Calma torcedor do Vitória, sou torcedor do Flu de Feira, apenas aproveite a frase.
Contudo, o desafio que se impõe não é apenas conceituar essa estrutura, mas sim enfrentá-la. Regular monopólios tem se mostrado uma tarefa árdua em qualquer país, e a complexidade só cresce na economia digital, onde os ativos intangíveis (como dados e algoritmos) se tornam o principal motor da concentração de poder. E não venha me dizer que roxo é azul, pois não é mesmo. Explicar regulação de monopólio é tarefa ingrata para os defensores do livre mercado, pois essa estrutura de mercado com liberdade, vai se transformar em opressão, entendeu?
Os monopólios podem surgir por múltiplas razões. Há os chamados “monopólios naturais”, que ocorrem em setores nos quais os custos fixos são tão altos que seria ineficiente ter mais de uma empresa atuando — como em redes de saneamento básico, energia elétrica ou transporte ferroviário. Nesses casos, a lógica econômica favorece a existência de uma só firma, cuja operação é então supervisionada por agências reguladoras. Exemplo que uso bastante, se uma EMBASA já incomoda muita gente, imagine uma EMBESA, EMBISA, EMBOSA e EMBUSA? Só pode existir uma e o nome dela eu vou dizer: EMBASA. Daí que voe para e lembra daquela vez que a EMBASA te cobrou entrada de AR como entrada de água e sua conta veio estratosféricas. Sofreu para reclamar não foi?
Há também monopólios legais, concedidos pelo Estado, como no caso de patentes e concessões exclusivas. Em teoria, são instrumentos para estimular a inovação e garantir investimentos de longo prazo. No entanto, nem sempre funcionam como planejado: no Brasil, há décadas convivemos com concessões de transporte urbano que operam sem concorrência real, com baixa transparência e forte influência política. Alguém lembra quando foi a ultima licitação da linha Feira/Salvador?
Na outra ponta, temos monopólios tecnológicos — como Google, Amazon, Apple e Meta — que consolidaram seu domínio por meio de barreiras estratégicas de entrada, como controle de dados, plataformas de uso massivo e efeitos de rede. No setor de delivery, por exemplo, a plataforma iFood chegou a controlar mais de 80% das entregas de refeições no Brasil em 2021, segundo a Autoridade Nacional de Concorrência de Portugal (AdC), o que gerou protestos de restaurantes e entregadores e levou o CADE a firmar um Termo de Cessação de Conduta com a empresa em 2022. Até hoje não existe uma regulação dos trabalhadores de entrega por aplicativos, enquanto isto, continuam aumentando as estatísticas de acidentes de trânsito com motocicletas.
Mas por que é tão difícil regular monopólios? A resposta passa por três fatores principais: assimetria de informação, captura regulatória e velocidade da inovação.
A assimetria de informação ocorre quando a empresa detém conhecimento técnico e dados que o Estado não tem. Um exemplo disso é o setor de energia elétrica: empresas de distribuição sabem mais sobre a demanda e os custos reais do que as agências reguladoras, o que torna difícil estabelecer tarifas justas sem uma estrutura altamente técnica. Outro exemplo são empresas de transporte público. Choram pitangas, falam números assustadores, mas jamais mostram as planilhas dos custos. Pior do que Cabeça de bacalhau é enxergar uma planilha de custos de uma empresa de ônibus.
Já a captura regulatória acontece quando as agências que deveriam fiscalizar o setor tornam-se dependentes ou influenciadas pelas empresas reguladas. Isso não é raro em contextos em que ex-executivos de grandes corporações assumem cargos em órgãos públicos, um fenômeno descrito pela literatura como “porta giratória”. Nem vou comentar algo aqui, pois meu advogado disse que ainda tenho réu primário.
Por fim, há a velocidade da inovação. No setor digital, mudanças tecnológicas ocorrem em ritmo muito mais rápido do que o tempo das leis e das regulações. Quando o Estado começa a entender como funciona um novo modelo de negócios, a empresa já avançou três ou quatro etapas.
No Brasil, a regulação dos monopólios cabe a instituições como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), ANATEL, ANEEL e outras agências setoriais. Contudo, a efetividade dessas instituições varia conforme o setor e o contexto político. É um tal de mexe e mexe e uma dança das cadeiras muito louca. A criatura ora presta serviços a uma regulada e em outra está na agencia reguladora. Por essas e outra que não consigo acreditar em regulação de redes sociais, pois o histórico brasileiro é de ampla captura de agentes reguladores.
Nos Estados Unidos e na União Europeia, cresce a pressão para adotar políticas mais rigorosas contra monopólios digitais. Em 2023, o Departamento de Justiça norte-americano abriu um processo antitruste contra a Apple, acusando a empresa de práticas anticoncorrenciais no ecossistema do iPhone. Na Europa, o Digital Markets Act começou a valer, impondo regras específicas para “gatekeepers” digitais, como Google e Meta. Essas experiências internacionais sugerem que o enfrentamento de monopólios exige mais do que boa vontade: é preciso vontade política, legislação robusta, fiscalização independente e, sobretudo, uma sociedade civil atenta.
No mundo atual, a concentração de poder econômico anda de mãos dadas com o poder político e tecnológico. Regular monopólios não é tarefa trivial: exige conhecimento técnico, transparência, proteção institucional e participação social. O desafio é grande, mas a omissão é ainda mais perigosa. Afinal, quando uma só empresa domina o mercado, quem garante que o interesse público continuará sendo prioridade?
Rosevaldo Ferreira é economista, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), foi Diretor de Tributos da Prefeitura de Feira de Santana, Coordenador de Projetos do Sudic, Auditor Fiscal, Coordenador Regional da Agerba e Coordenador do Curso de Economia da UEFS.
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